- Ele era tão bonito, sentia-o tão doce dentro de mim,
dentro de minhas entranhas. Por que Senhor? Por que me deste um inutilizável?
Por que colocaste um orangotango bestializado em minha vida? Mas ele era lindo
em meu ventre, eu o via, ouvia sua vozinha sôfrega com frases pausadas. – em
frente ao seu espelho dos anos quarenta deixado por sua avó à sua mãe que por
sua vez o deixou à essa Matilde que se condenava, arremessava palavras ao ar
para algum anjo aparecer e dar o seu amém.
A cozinha da casa
possuía um tom enegrecido pelo tempo, pelas vestes de luto de todas as mulheres
que passara por aquela casa pertencente à mesma família há tempos. Tudo escuro,
não há mobílias no recinto, apenas panelas pelo chão, panelas vazias. Matilde
em um pijama vermelho está sozinha: - Às vezes tenho medo de sua demência. Mas
como? O pai dele era perfeito, dava conta de mim e dizem que também tinha mais
quatro mulheres pela rua. E esse Juninho que nem é capaz de me dar um netinho
ou pelo menos uma menina... mas não podem ser moribundos como ele. Talvez foi a
morte de seu pai que o deixou assim ou é castigo, castigo por eu ter
engravidado antes de casar; e não me lembro o que aconteceu depois, acho que
aquele homem me abandonou, não me lembro de seus olhos, apenas de como essa
besta era incrivelmente linda, magnânima em meu corpo, meu último corpo, depois
disso troquei de corpo apenas uma vez e minhas pele ficou com algumas manchas.
Há um dia em que ele retorne ao meu âmago e, então, voltarei a ser feliz como
no dia em que meu pai dançou comigo a valsinha dos quinze anos, mas faz tanto
tempo... E vejo que Juninho volta com mais um pombo entre seus dedos, é preciso
me esconder logo.
Existem seres que
alguma coisa no universo os ama e ao mesmo tempo não os perdoa, Juninho era um
desses – possuía a loucura infernal, bestial ao ponto de bater sua cabeça na
parede e agredir transeuntes; ao mesmo tempo angelical, trazendo pombos doentes
para cuidar e diariamente dando doce às crianças, que não comiam pois suas mães
consideravam maculado um doce vindo das mãos de um louco ou então comiam
escondidos. Sentado na escadinha, olhando as formigas andarem em trilhas por
suas pernas, Juninho tentava emitir algum som; do basculante da cozinha sua mãe
via tudo, e sua voz trêmula se inclinava até o filho: - Meu filho, não vê essas
formigas em suas pernas?! Elas podem te machucar. Oh, meu Deus, por que isso?
Em que pecados esbarrei para merecer tudo isso? Tenho que pagar por meu pai que
malhava os aleijados e os negros? Não pode haver dor pior no mundo, a de ser
mãe. Quando estou pela rua, grito à todas as moças que vejo: “Não sejam mãe!
Liguem as trompas!”. Acho que também estou ficando louca, às vezes tenho até a
sensação de que o tempo está andando para trás... Meu filho, entre e como algo.
– Juninho, com o dedo indicador, escreve algum sinal na terra do quintal e
entra para a casa; olha serenamente para a mãe, encosta a mãe em sua face e
emite algum grunhido, e então vai comer seu mingau.
Os dois na mesma
casa, um não entendendo o outro apesar de suas faces se confundirem – onde
tinha um pouco de um ao mesmo tempo faltava algo do outro no mesmo corpo.
Matilde olha para o seu indesejado, porém amado filho; e acariciando seu rosto,
olhando seus olhos, arremeta as duas almas ali presentes a um oásis que não
deveriam se permitir. E com essas palavras, Matilde repintava o destino: -
Tenho pena de você, meu filho. Você nunca saberá o que é o amor, ou melhor, eu
tenho a obrigação de te mostrar o amor... Sim, agora estou nua em sua frente,
me faça feliz novamente, volte para dentro de mim, sejamos animalescos no mesmo
corpo. – E numa fornicação consentida, Juninho adentrava novamente o corpo de
sua (des)amada mãe – Eu te amo, amarei ainda mais o que mora em mim agora,
ainda mais se não for bestializada. Agora suma, fuja! Se espalhe e recorte o
mundo em pedaços, não há nada inalcançável, cada sentimento pode respingar por
nossas mãos tão humanas, meu filho. – com os olhos arregalados, Juninho se
afastava, cada passo o afastava daquela casa, talvez nunca mais voltasse àquela
vida, talvez nunca mais voltassem o Juninho e a Matilde de então. – Isso tão
longe e bem aqui dentro – decretava Matilde.
Adoro a forma que vc escreve, desde sempre.
ResponderExcluirUma vez me disseram que eu tenho o dom de transportar os meus leitores para dentro das minhas cenas.. O que diriam então se lessem os teus contos.
Torço muito por você com uma genuína esperança, pois sei que você irá longe se prosseguir com esses passos.
Mesmo que um de cada vez...
E eu estarei ao seu lado para beijar sua boca para comemorar o seu exito.
Fico muito feliz por vc gostar do que eu escrevo, minha amada... Muito mesmo!
ResponderExcluirObrigado por essas palavras!
Eu te amoo muito!