28.3.13

XXI (Conversa de escritório)



  - Viram o que aconteceu na Leopoldo Tavares? Ali depois da esquina, sabem?! Tá no jornal, mataram um mulher, ela estava grávida! – Exclamava Arthur, exasperado, desesperado por dar a notícia.
- Eu vi, tá no jornal, é um horror! Um horror! – Maria respondia.
- Esse mundo em que vivemos não vale nada. – Completava Marcos.
  O assassinato da grávida se espalhou por toda a cidade; todos horrorizados, manchetes de página inteira, a polícia invadindo as favelas à procura do assassino. O escritório naquele dia não falava em outra coisa, o trabalho não tinha mais importância, era o assassinato e apenas o assassinato.
  No dia seguinte e dois dias após o assassinato, outras centenas de manchetes solucionavam o crime, a maioria falando em latrocínio, pois o dinheiro da grávida sumira de sua bolsa. Porém o que todos concordavam, em linhas escandalosas e macabras, era com a crueldade de tal monstro:
- Dizem que ele foi assaltar a moça, ela não quis entregar e ele a matou. – dizia Seu Antônio.
- Mas ele precisava chutar a barriga dela até matar o bebê e ela?! É um monstro! – Marcinha retrucava com pavor em seus olhos.
- E não teve testemunhas? – perguntou Marcos, já de saco cheio daquela história.
- Parece que não, era madrugada, e se tiver testemunha não vai falar. – dizia Seu Antônio.
  Marcos caminhava tranquilamente pela rua onde morava na zona norte, voltava do trabalho. Cada frase, cada sílaba que ele ouviu sobre o assassinato de vez em quando eclodia em sua mente. Chegou no prédio onde morava, deu um boa noite ao porteiro, pegou o elevador e entrou no apartamento. Sua namorada, Lúcia, terminava de preparar o jantar e foi logo dizendo:
- Amor, tava preocupada contigo, esse assassino está a solta. Vamos jantar!
- Já estou cansado dessa história, e pelo jeito ele só gosta de matar grávidas. – Marcos, com certa ironia, dando uma basta à história.
- Ai que horror, Marcos! – Lúcia dava fim ao diálogo e servia os dois pratos.
  Marcos estava com Lúcia há um ano e alguns meses, foram morar juntos por alguma razão que os dois não sabiam. Era um bom casal, brigavam muito pouco. Marcos a enrolava quanto ao casamento, o mais perto que chegou de se casarem foi quando Lúcia quase ficou grávida, se ficasse teriam de se casar pelos pais de Lúcia serem evangélicos. Marcos deu graças a Deus quando deu negativo o exame de gravidez, ela não se dava bem com crianças; quando ele era criança, não se dava bem nem consigo mesmo.
  Passaram-se duas semanas e mais uma grávida foi assassinada, dessa vez na rua ao lado da Leopoldo Tavares. O caso, enfim, esclareceu-se; havia um maníaco solto pela cidade, e por algum motivo ele matava grávidas. O escritório pegava fogo com todos exaltados, exalando temor e ódio pelo assassino:
- Isso não pode ficar assim, a polícia tem que pegar logo esse maluco. Fico com medo quando vou embora, não estou grávida, mas nunca se sabe... – Arlete dizia essas palavras com certo temor e olhos perdidos, talvez pensando numa maneiro de ir embora mais cedo.
- Deve ser um desses mendigos que dormem por aí! – a secretária Thaís acusava demonstrando alguma certeza em seus lábios.
- Isso vai terminar, tenho fé em Deus. – Marcos suplicava aos céus.
  A polícia colocou não sei quantos batalhões naquela região tentando encontrar o serial killer; revistavam cada bêbado que encontravam, os mendigos foram levados para abrigos, chegaram até a revistar os sapatos de alguns homens com características suspeitas a procura de sangue, pois o assassino matava as grávidas apenas com chutes na barriga.
- Nossa, passaram-se três semanas e nada do marginal, a polícia não consegue encontrar esse safado... Meu deus! – Lúcia mostrava ao namorado sua indignação.
- Geralmente nesses casos o culpado está mais perto do que todos pensam. – Marcos compartilhava com sua namoradinha um pouco do conhecimento que tirava dos seus romances policiais. Compartilhava seus mesmo conhecimentos policiais no escritório:
- Esse rapaz deve ser digno de pena, deve ter uma família ausente e apenas ódio em sua mente atordoada.
- Isso é falta de Deus no coração! – Dizia Maria Célia da contabilidade.
- Ele merece morrer! – Todos no escritório e a cada esquina de cidade exclamavam essa frase.
  Eram dez e quarenta e cinco, Lúcia estava preocupada com Márcio. Três rapazes andavam pela Leopoldo Tavares e avistaram ao longe um homem arrastando uma mulher de dentro de um carro, ela tentava gritar e não conseguia. O homem arremessa a mulher no chão e começa a chutá-la, os três rapazes correm para defendê-la, vão aproximando-se e percebem que era uma grávida. O homem apenas dava chutes em sua barriga. Os homens chegam até o monstro e o empurram. Um dos três homens era Arthur, que trabalhava no escritório, que de pronto reconheceu o homem, era Marcos.
Marcos com os olhos vermelhos de emoção, caído no chão, com um sorriso estranho apenas anuncia:
- Desde minha mãe, odeio todas as grávidas! – Então os três homens chutaram Marcos até sua morte.

24.3.13

XX (Filho e Fera)



  - Ele era tão bonito, sentia-o tão doce dentro de mim, dentro de minhas entranhas. Por que Senhor? Por que me deste um inutilizável? Por que colocaste um orangotango bestializado em minha vida? Mas ele era lindo em meu ventre, eu o via, ouvia sua vozinha sôfrega com frases pausadas. – em frente ao seu espelho dos anos quarenta deixado por sua avó à sua mãe que por sua vez o deixou à essa Matilde que se condenava, arremessava palavras ao ar para algum anjo aparecer e dar o seu amém.
  A cozinha da casa possuía um tom enegrecido pelo tempo, pelas vestes de luto de todas as mulheres que passara por aquela casa pertencente à mesma família há tempos. Tudo escuro, não há mobílias no recinto, apenas panelas pelo chão, panelas vazias. Matilde em um pijama vermelho está sozinha: - Às vezes tenho medo de sua demência. Mas como? O pai dele era perfeito, dava conta de mim e dizem que também tinha mais quatro mulheres pela rua. E esse Juninho que nem é capaz de me dar um netinho ou pelo menos uma menina... mas não podem ser moribundos como ele. Talvez foi a morte de seu pai que o deixou assim ou é castigo, castigo por eu ter engravidado antes de casar; e não me lembro o que aconteceu depois, acho que aquele homem me abandonou, não me lembro de seus olhos, apenas de como essa besta era incrivelmente linda, magnânima em meu corpo, meu último corpo, depois disso troquei de corpo apenas uma vez e minhas pele ficou com algumas manchas. Há um dia em que ele retorne ao meu âmago e, então, voltarei a ser feliz como no dia em que meu pai dançou comigo a valsinha dos quinze anos, mas faz tanto tempo... E vejo que Juninho volta com mais um pombo entre seus dedos, é preciso me esconder logo.
  Existem seres que alguma coisa no universo os ama e ao mesmo tempo não os perdoa, Juninho era um desses – possuía a loucura infernal, bestial ao ponto de bater sua cabeça na parede e agredir transeuntes; ao mesmo tempo angelical, trazendo pombos doentes para cuidar e diariamente dando doce às crianças, que não comiam pois suas mães consideravam maculado um doce vindo das mãos de um louco ou então comiam escondidos. Sentado na escadinha, olhando as formigas andarem em trilhas por suas pernas, Juninho tentava emitir algum som; do basculante da cozinha sua mãe via tudo, e sua voz trêmula se inclinava até o filho: - Meu filho, não vê essas formigas em suas pernas?! Elas podem te machucar. Oh, meu Deus, por que isso? Em que pecados esbarrei para merecer tudo isso? Tenho que pagar por meu pai que malhava os aleijados e os negros? Não pode haver dor pior no mundo, a de ser mãe. Quando estou pela rua, grito à todas as moças que vejo: “Não sejam mãe! Liguem as trompas!”. Acho que também estou ficando louca, às vezes tenho até a sensação de que o tempo está andando para trás... Meu filho, entre e como algo. – Juninho, com o dedo indicador, escreve algum sinal na terra do quintal e entra para a casa; olha serenamente para a mãe, encosta a mãe em sua face e emite algum grunhido, e então vai comer seu mingau.
  Os dois na mesma casa, um não entendendo o outro apesar de suas faces se confundirem – onde tinha um pouco de um ao mesmo tempo faltava algo do outro no mesmo corpo. Matilde olha para o seu indesejado, porém amado filho; e acariciando seu rosto, olhando seus olhos, arremeta as duas almas ali presentes a um oásis que não deveriam se permitir. E com essas palavras, Matilde repintava o destino: - Tenho pena de você, meu filho. Você nunca saberá o que é o amor, ou melhor, eu tenho a obrigação de te mostrar o amor... Sim, agora estou nua em sua frente, me faça feliz novamente, volte para dentro de mim, sejamos animalescos no mesmo corpo. – E numa fornicação consentida, Juninho adentrava novamente o corpo de sua (des)amada mãe – Eu te amo, amarei ainda mais o que mora em mim agora, ainda mais se não for bestializada. Agora suma, fuja! Se espalhe e recorte o mundo em pedaços, não há nada inalcançável, cada sentimento pode respingar por nossas mãos tão humanas, meu filho. – com os olhos arregalados, Juninho se afastava, cada passo o afastava daquela casa, talvez nunca mais voltasse àquela vida, talvez nunca mais voltassem o Juninho e a Matilde de então. – Isso tão longe e bem aqui dentro – decretava Matilde.

20.3.13

IXX

Há tristeza por todos os cantos,
E os quadros de Van Gogh já não podem salvar.

Como um eunuco - vasculharam a gaveta -
Sentimento incompleto, inteligência mediana.

Interessante que sempre há algo a perturbar;
Sempre há algo pelo o que imolar-se,
Como uma prostituta.

Se eu fosse David Bowie as coisas seriam mais fáceis;
Mas limparam o meu nome
E só restou a tristeza,
E é difícil saber se isso há de cessar.

17.3.13

XVIII (Bata-me até a morte ou à conveniência)



  O jornal anunciava: “Mulher apanha do marido até a morte.”; logo, no máximo umas sete mulheres se revoltaram enquanto a cidade toda ainda dormia, adormecida e inebriada pela lobotomia das pessoas grandes que/e o coração cabe no bolso. Aline imediatamente pensou em manifestações, críticas em jornais, chamar o FBI... Mas ela sabia o que mais uma vez iria ocorrer – mais uma mulher iria entrar na estatística, e não iria passar de um número anterior ao próximo.
  Aline ligou para suas amigas feministas e elas reuniram-se em sua casa. No máximo doze pessoas encontravam-se reunidas naquele recinto e, talvez, mais da metade não acreditava no motivo daquela reunião, só estavam ali para comer bolachas com refrigerante. As discussões se tornavam cada vez mais acaloradas, beirando uma epopeia apocalíptica; apesar dos objetivos serem os mesmos, havia milhares de discordâncias sobre os meios que deveriam ser utilizados: criar leis mais seguras para as mulheres, fazer marchas históricas, matar todos os fetos masculinos, etc... As palavras só se esfriaram quando Dona Cármem falou em alto e bom som: “Aline, suas palavras são muito bonitas, minha filha; porém você quer ajudar o mundo e se esquece de quem vive ao seu lado. Vou te explicar: aqui nessa rua mesmo, tem três mulheres, três vizinhas sua que apanham todo o dia dos seus maridos. Bem... Eu não posso fazer nada, mas quem sabe você consiga, nunca se sabe.”; ao fim dessas palavras, todas se calaram, a reunião durou apenas mais vinte e cinco minutos e depois disso aquelas mulheres foram embora. Aline arrumou a casa, tomou banho e não conseguiu dormir pensando no que fazer com as palavras de Dona Cármem.
  Na manhã seguinte, Aline atravessou a rua com suas olheiras e foi ao encontro de Márcia que andava com os cachorros, Márcia era uma das mulheres que Dona Cármem falou que apanhava. Aline retribuiu o sorriso e viu um arranhão no pescoço de Márcia:
- Márcia, o que foi isso no seu pescoço? Está arranhado. – disse Aline.
- Não foi nada, estava com a unha grande e acabei me machucando sem querer.
- Márcia, pode falar a verdade, eu sei o que está acontecendo...
- Do que você está falando?
- Sobre teu marido, eu sei que ele te bate.
De súbito, o sangue subiu ao rosto de Márcia que abandonou sua timidez e nervosismo e tornou-se uma fera, liberou suas doses de raiva reprimida:
 - Você está maluca?! Deixe meu marido em paz, eu amo ele! Mas... Que... Você está com inveja porque você é encalhada! – Márcia cuspiu essas palavras no rosto de Aline.
- Não tenha medo, Márcia, o denuncie! – Aline implorou.
- Hum... Tenho mais o que fazer... – Então Márcia foi embora para casa apressadamente e deixou Aline ali em pé, com as esperanças mortas.
  Aline teve praticamente a mesma conversa com as outras duas e obteve as mesmas respostas. Então, após umas cinco vezes escutar aquelas três mulheres apanhando, Aline decidiu tomar as rédeas da situação e denunciou os três maridos agressores. A polícia visitou as três casas, flagrou dois dos maridos em flagrante e na outra casa a mulher estava tão roxa e inchada que não precisava de mais nenhuma prova. As mulheres imploraram pelo perdão dos maridos enquanto os policiais os arrastavam para a cadeia. Aline finalmente se deu por satisfeita.
  Passado oito semanas e alguns dias, as três mulheres bateram na porta de Aline que a recebeu com um belo sorriso, então as três adentraram a casa com seus hematomas e cicatrizes matrimoniais. No dia seguinte, estampava no jornal: “MULHERES ESPANCADAS ESPANCAM ATÉ A MORTE FEMINISTA QUE TINHA COLOCADO SEUS MARIDOS NA CADEIA.”.

10.3.13

XVII

Ela me disse - "Já estou acostumada com isso, tenho cólicas menstruais."
Eu disse - "E eu tenho uma cabeça."

Não ficava triste com isso há tanto tempo,
Não sei mais onde minhas ideias querem me levar.
Se ele tivesse ficado, todos os detalhes seriam diferentes;
Eu seria diferente.

E mesmo sendo ruim,
Seria melhor.

Me sinto chateado pelo desinteresse das pessoas pelo o que eu escrevo,
Principalmente as mais próximas.

Eu não quero te magoar,
Não sou assim.

Mas tem algo me destruindo.

Eu em meu mundinho de ódio.

6.3.13

XVI

Eu também componho música, escutem!

Cliquem aqui para irem para minha página no SoundCloud!

XV (Um pedaço de madrugada)



Acordado de madrugada,
As horas até estão passando rápido.
Mais nenhum boêmio na rua.
Levo um choque no armário, então capto
Um S.O. S vindo da Austrália,
Um pálido poliglota fumando seu cigarro
Fala sobre como o mundo mudou;
Mas sua imagem está embaçada,
Então ligo a TV e já não sei mais de nada.
Uma lasca de anzol penetra em minha têmpora,
E o velho da esquina já não se lembra
O que comeu no jantar,
Pois a vida é tão rápida –
Lembra um psicopata sufocando em sua mortalha.
Os vizinhos já não veem a hora dessa música terminar,
E eu vou levando
Como quem leva uma rede cheia de peixes;
E desencanto,
A vida feneceu sobre a marquise da Avenida dos Portugueses,
Maranhão.

2.3.13

XIV

E disse para ser agradável e verdadeiro
Como a escrita dos que mutilaram.

Tantos pensamentos e pouco sentido,
Como ser estável enquanto um pouco de mim me devora por inteiro?
Engolidos por uma multidão,
Não foi mais possível manter nossas crenças.

Eles sabem que não queremos mais,
Mas ainda assim nunca deixarão faltar.

Ir a rua e ver como estão os loucos, os mendigos, os punks;
Algum pensamento suicida aqueceu a sala,
Fez lembrar que ainda há uma vida -
E nenhuma escola falou que ela seria assim,
Nem a tia Danielle, nem a tia Alba;
Não há mais razão para mantermos o que nos ensinaram.

O cristianismo falhou, a ciência falhou, a falha foi individual.
Ódio em alta escala, dor por dor, dor com avelã, ansiedade.
O patrão não sabe que dormem com sua esposa, raiva.
Doença, escapismo.

Era a beleza, e não sabe,
Mas eu vivi sob aquela apatia.