17.3.13

XVIII (Bata-me até a morte ou à conveniência)



  O jornal anunciava: “Mulher apanha do marido até a morte.”; logo, no máximo umas sete mulheres se revoltaram enquanto a cidade toda ainda dormia, adormecida e inebriada pela lobotomia das pessoas grandes que/e o coração cabe no bolso. Aline imediatamente pensou em manifestações, críticas em jornais, chamar o FBI... Mas ela sabia o que mais uma vez iria ocorrer – mais uma mulher iria entrar na estatística, e não iria passar de um número anterior ao próximo.
  Aline ligou para suas amigas feministas e elas reuniram-se em sua casa. No máximo doze pessoas encontravam-se reunidas naquele recinto e, talvez, mais da metade não acreditava no motivo daquela reunião, só estavam ali para comer bolachas com refrigerante. As discussões se tornavam cada vez mais acaloradas, beirando uma epopeia apocalíptica; apesar dos objetivos serem os mesmos, havia milhares de discordâncias sobre os meios que deveriam ser utilizados: criar leis mais seguras para as mulheres, fazer marchas históricas, matar todos os fetos masculinos, etc... As palavras só se esfriaram quando Dona Cármem falou em alto e bom som: “Aline, suas palavras são muito bonitas, minha filha; porém você quer ajudar o mundo e se esquece de quem vive ao seu lado. Vou te explicar: aqui nessa rua mesmo, tem três mulheres, três vizinhas sua que apanham todo o dia dos seus maridos. Bem... Eu não posso fazer nada, mas quem sabe você consiga, nunca se sabe.”; ao fim dessas palavras, todas se calaram, a reunião durou apenas mais vinte e cinco minutos e depois disso aquelas mulheres foram embora. Aline arrumou a casa, tomou banho e não conseguiu dormir pensando no que fazer com as palavras de Dona Cármem.
  Na manhã seguinte, Aline atravessou a rua com suas olheiras e foi ao encontro de Márcia que andava com os cachorros, Márcia era uma das mulheres que Dona Cármem falou que apanhava. Aline retribuiu o sorriso e viu um arranhão no pescoço de Márcia:
- Márcia, o que foi isso no seu pescoço? Está arranhado. – disse Aline.
- Não foi nada, estava com a unha grande e acabei me machucando sem querer.
- Márcia, pode falar a verdade, eu sei o que está acontecendo...
- Do que você está falando?
- Sobre teu marido, eu sei que ele te bate.
De súbito, o sangue subiu ao rosto de Márcia que abandonou sua timidez e nervosismo e tornou-se uma fera, liberou suas doses de raiva reprimida:
 - Você está maluca?! Deixe meu marido em paz, eu amo ele! Mas... Que... Você está com inveja porque você é encalhada! – Márcia cuspiu essas palavras no rosto de Aline.
- Não tenha medo, Márcia, o denuncie! – Aline implorou.
- Hum... Tenho mais o que fazer... – Então Márcia foi embora para casa apressadamente e deixou Aline ali em pé, com as esperanças mortas.
  Aline teve praticamente a mesma conversa com as outras duas e obteve as mesmas respostas. Então, após umas cinco vezes escutar aquelas três mulheres apanhando, Aline decidiu tomar as rédeas da situação e denunciou os três maridos agressores. A polícia visitou as três casas, flagrou dois dos maridos em flagrante e na outra casa a mulher estava tão roxa e inchada que não precisava de mais nenhuma prova. As mulheres imploraram pelo perdão dos maridos enquanto os policiais os arrastavam para a cadeia. Aline finalmente se deu por satisfeita.
  Passado oito semanas e alguns dias, as três mulheres bateram na porta de Aline que a recebeu com um belo sorriso, então as três adentraram a casa com seus hematomas e cicatrizes matrimoniais. No dia seguinte, estampava no jornal: “MULHERES ESPANCADAS ESPANCAM ATÉ A MORTE FEMINISTA QUE TINHA COLOCADO SEUS MARIDOS NA CADEIA.”.

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