Minha existência é insana,
E eu gostou disso.
Vê como sou um bom filho da puta.
Poemas, contos e qualquer outra coisa de Daniel Oliveira
25.10.13
16.10.13
XLVI (O homem e os gatos)
“Fartaremo-nos hoje, mesmo se não tivermos nada para
amanhã. Depois nos alimentaremos da fome e prometeremos sermos a prudência em
pessoa.” – esse era o lema do velho debilitado em uma cama dura, lancinando
seus últimos suspiros.
Sim, teve um tempo
em que teve bastante dinheiro e, por conseguinte, bastante respeito também. A
mesma vida que lhe deu de berço um lugar pobre e baldinhos para tomar banho,
então lhe dera a chance de saborear o alívio por ser alguém, um tenor com
qualidades anti-heroicas. – Sim, o tempo mostrou que ele foi um anti-herói, com
todas as quimeras e quedas de um anti-herói. – Sua sorte intra uterina tinha
finalmente se apresentado à luz, e a mísera criança dissonante passou a ser um
rei de uma noite para a outra, alagando os sertões com sua voz – a mesma voz
que um dia lamentou-se por existir.
Mesmo se pudéssemos
viver cada segundo de nossa vida, cada efemeridade nos perturbaria de uma forma
ou de outra. Assim como ele tocou a glória repentinamente, da mesma maneira ele
afogou-se no ostracismo, ou melhor, ele cavou sua própria cova com todos os
cuidados possíveis.
“Deve-se entender
que não é possível comprar as pessoas, apenas aluga-las por certo tempo.” –
Atualmente a vida familiar não passa de interesses maculados, assim aconteceu
com esse personagem atemporal – quando ele tinha o dinheiro, seus filhos e
mulheres o amavam; quando perdeu o dinheiro, consequentemente perdeu tudo, até
porque ele fez do dinheiro a base de todas as suas relações. No seu auge, ele
comprava qualquer coisa para as pessoas e humilhava qualquer pessoa; e assim
ele galgou em sua queda, adornando-se com as teias da escuridão; ele foi
perdendo coisa por coisa: fama, dinheiro, filhos, saúde e por fim seu carro.
Sendo chutado numa
casa suja; quem era um rei tornou-se num escravo do fracasso, transpassado por
seus próprios erros. E ele acabou com suas pernas e suas mente, e está deitado
por anos; e aí então, vez ele abdicou da malícia e passou a viver com vinte e
um gatos sem pedir nada em troca, apenas deliciando-se com os arranhões.
E enquanto existir o
vento, ele se fartará com resignação.
XLV (Apaixonados)
Valdecir era um pai intransigente, por vezes um ditador
dentro de sua casa; dava as horas em que sua esposa, a Cici, poderia sair e a
que tinha de voltar... Possuía a natureza de um inspetor de internato para
menina, amava a ordem, e por vezes, amava o progresso também.
Porém sua filha
Margot era a única que ele não tinha a coragem dar ordens. Era estranho, ele
sabia disso, no fundo de sua alma algo o inibia de mandar em Margot, e até o
amedrontava quando estava em frente à sua filha. Às vezes a menina fazia o pai
de gato e sapato, como quando tinha doze anos e foi à rua para dar o seu
primeiro selinho; na volta à casa, o pai perguntou onde ela estava, Margot
passou direto, nada respondeu e se trancou em seu quarto ainda em êxtase com o
beijo.
Um belo dia
aconteceu algo que nenhum dos três ali esperava. Não se sabe de onde Valdecir
tirou coragem e conseguiu dar cabo de suas palavras. O caso é o seguinte: há
duas semanas, na mesa de jantar, Valdecir fez a seguinte insinuação à Margot:
- Margot, você já está com vinte-e-três anos, minha filha.
Precisa arranjar um marido, não quero que você seja uma solteirona como sua prima
Lúcia.
- Hum?! Pai, não quero me casar! – Margot berrou por causa
do susto.
- Então hei de arranjar um bom marido para você! – retrucou
Valdecir com uma coragem que ele não sabia que possuía; talvez não possuísse,
algo baixou sobre ele.
- Duvido, eu duvido! – palavras audaciosas e cruéis para os
ouvidos de Valdecir.
Sentindo-se afrontado, Valdecir tinha que honrar suas
calças, e então escolheu Rodolfo, um amigo que conheceu através de um primo;
bom rapaz, possuía um emprego na Cedae, ganhava medianamente bem. Margot, pega
de surpresa, não quis aceitar de inicio, porém gostou um pouco de Rodolfo e,
principalmente, não queria fazer força opositora ao pai; tinha a certeza que
após o casamento passaria a amar Rodolfo, por enquanto apenas o achava bonito.
Foram uma semana de namoro e quatro meses de
noivado, Margot já estava disposta a se casar de bom grado; e Cici gostava
muito do rapaz, Valdecir mais ainda – os dois iam juntos aos jogos do Vasco,
jogavam baralho no bar da esquina, conversavam horas a fio etc. Margot gostava
muito da proximidade entre o pai e o futuro marido, achava que tinha tirado a
sorte grande.
Então os dois se
casaram, foram passar a lua-de-mel em Cabo frio numa pousada onde Valdecir
podia pagar. Tiveram sua noite de núpcias, a lua-de-mel foi incrível; apenas
uma fato chamou a atenção de Margot. No sexto dia de lua-de-mel, Rodolfo disse
que sentia saudades do pai de sua esposa... “É bobagem” – pensava Margot, e
logo depois esqueceu o fato.
Após dois meses de
casados a vida estava muito boa para o casal, Margot não se arrependia em nada,
Rodolfo era muito carinhoso para com ela. Porém, Rodolfo passava cada vez mais
tempo com Valdecir; o que, de certa forma, Margot era um pouco contrário:
- Você vê mamãe... Rodolfo passa horas e horas todos os dias
com papai, quero ele sempre perto de mim! – Queixava-se Margot com Cici.
- Minha filha, homem bom é homem que fica na rua, assim não
fica em casa perturbando e sujando. E é muito boa essa amizade entre seu pai e
Rodolfo, isso é raro no mundo de hoje.
- Mas mamãe, não pode ser tanto assim, nem tanto ao sol nem
tanto ao mar. Ela sai do trabalho às seis e só volta às nove, fica batendo papo
com papai. Para você saber, nem todo dia ele quer fazer sexo comigo.
- Deixa de Bobagem, Margot!
Enquanto isso
Rodolfo e Valdecir assistiam à novela das sete num hotel barato no centro, os
dois enrolados em toalhas. Valdecir tasca um beijo na boca de Rodolfo, de
maneira ultrarromântica, como um casal recém-casado; e olhando nos olhos do
parceiro, diz com ternura:
- Minha filha nunca vai saber! Não pode! Eu te amo! – e dava
cada vez mais beijos apaixonados em Rodolfo, e então os dois foram rolando, um
enrolado no outro, pelo chão daquele quarto.
Assim os três eram
felizes, e seriam ainda mais com o passar do tempo... Até que a morte do pai os
separassem.
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