4.11.13

XLVIII



  Nem todas as mulheres nasceram para ser mãe, minha mãe mesmo não nasceu para ser mãe. Por dia perdemos um bom punhado de delicadeza, as pessoas deveriam respeitar isso. Mulheres não deveriam perder-se em algum canto.
  O obstetra entregou a criança em seu colo e lágrimas rolavam dos seus olhos, nos braços de Paula estava seu filho e ela o detestou por ele ser preto. O pai da criança entrou no quarto, e com o rosto assustado, Paula foi arremessando seu ódio:
- Seu merda, você me deu um filho preto! Bem que meu pai dizia antes dele morrer: prefiro que você se case com um branco cachaceiro do que com um preto rico! Você acabou com minha vida! Você e essa droga de criança!
Nos dias que passaram no hospital, em nenhum momento Paula deu leite ao menino, não queria ficar com ele e quando voltou para casa, a criança foi no colo de sua avó materna.
  Ao chegarem em casa, algo de um vazio misturava-se ao ar, os sintomas de existência eram perturbadores.  As duas olharam-se – não há nada tão desesperador em nosso tempo do que crianças:
- Mãe, eu não quero isso! – falou Paulo, com sofrimento – Como poderei exibir isso pelas ruas?! Parece uma doença.
- Na hora que você viu aquela pica preta você não pensou nisso! Tome vergonha na cara, Paula! Isso o que você diz com essa cara de nojo é seu filho! Tenha dó, assuma essa criança! – respondeu sua mãe fervorosamente.
- Não, mãe, eu não posso. – Paula com os olhos baixos por vergonha daquele filho – Fique com ele, cuide dele pra mim.
Então, a criança foi morar com sua avó. O pai depois de um tempo foi embora. Mais uma vida destruída. A mãe envolveu-se com outros homens e esqueceu-se do menino, ficou viciada em calmantes e outros psicotrópicos até que chegou o dia em que foi afastada do seu trabalho por licença.
  Após oito meses do nascimento do menino, Paula foi finalmente visitar ele e sua mãe; a avó ficou feliz, aquele reencontro lhe dava as esperanças de uma vida nova. Paula e o menino ficaram sozinhos no quarto durante um bom tempo, quando a avó foi vê-los, ao ver a cena deu um grito: Paula tirava a pele do menino com uma navalha e falava: “Olha mãe, estou deixando o nosso menino branco.”.

Há doze anos

  Meu marido me traiu na rua, pegou AIDS e passou para mim e eu passei para nossa filha através do meu leite. Vivemos juntos até hoje, tenho medo de ficar sozinha.
Pense que num lugar uma pessoa está se afogando
Enquanto uma pessoa está louca por saber que está grávida
E alguém é demitido.
Submersos num aquário de misérias,
Amarramo-nos em nossas dualidades;
E não nos aceitamos.
Você engana ou é enganado.

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