16.10.13

XLVI (O homem e os gatos)



  “Fartaremo-nos hoje, mesmo se não tivermos nada para amanhã. Depois nos alimentaremos da fome e prometeremos sermos a prudência em pessoa.” – esse era o lema do velho debilitado em uma cama dura, lancinando seus últimos suspiros.
  Sim, teve um tempo em que teve bastante dinheiro e, por conseguinte, bastante respeito também. A mesma vida que lhe deu de berço um lugar pobre e baldinhos para tomar banho, então lhe dera a chance de saborear o alívio por ser alguém, um tenor com qualidades anti-heroicas. – Sim, o tempo mostrou que ele foi um anti-herói, com todas as quimeras e quedas de um anti-herói. – Sua sorte intra uterina tinha finalmente se apresentado à luz, e a mísera criança dissonante passou a ser um rei de uma noite para a outra, alagando os sertões com sua voz – a mesma voz que um dia lamentou-se por existir.
  Mesmo se pudéssemos viver cada segundo de nossa vida, cada efemeridade nos perturbaria de uma forma ou de outra. Assim como ele tocou a glória repentinamente, da mesma maneira ele afogou-se no ostracismo, ou melhor, ele cavou sua própria cova com todos os cuidados possíveis.
  “Deve-se entender que não é possível comprar as pessoas, apenas aluga-las por certo tempo.” – Atualmente a vida familiar não passa de interesses maculados, assim aconteceu com esse personagem atemporal – quando ele tinha o dinheiro, seus filhos e mulheres o amavam; quando perdeu o dinheiro, consequentemente perdeu tudo, até porque ele fez do dinheiro a base de todas as suas relações. No seu auge, ele comprava qualquer coisa para as pessoas e humilhava qualquer pessoa; e assim ele galgou em sua queda, adornando-se com as teias da escuridão; ele foi perdendo coisa por coisa: fama, dinheiro, filhos, saúde e por fim seu carro.
  Sendo chutado numa casa suja; quem era um rei tornou-se num escravo do fracasso, transpassado por seus próprios erros. E ele acabou com suas pernas e suas mente, e está deitado por anos; e aí então, vez ele abdicou da malícia e passou a viver com vinte e um gatos sem pedir nada em troca, apenas deliciando-se com os arranhões.
  E enquanto existir o vento, ele se fartará com resignação.

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